Reflexão da Semana

A paixão da sua vida
( Marina Colasanti)
Amava a morte. Mas não era correspondido.
Tomou veneno. Atirou-se de pontes. Aspirou gás. Sempre ela o rejeitava, recusando-lhe o abraço.
Quando finalmente desistiu da paixão entregando-se à vida, a morte, enciumada, estourou-lhe o coração.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

A fome e a vontade

            Os movimentos ágeis de seus corpos causavam nele leve ojeriza. Era, de certa forma doentio observá-los. Mas ele queria. Almejava. Implorava. Quase dava para senti-los mexendo. Leeeentoooos, determinados. com forme o tempo ia passando, líquidos eram produzidos e por eles liberados, lubrificando o ambiente, facilitando a movimentação.
            Aqueles inocentes e pequenos logo teriam um triste fim. Fim este que, planejado com antecedência, tudo tinha para dar certo. Planejado por aquele que toda a cena observava.
            Cuidadosamente, pegou o serrote e começou a serrar a pútrida peça de carne. Fatiou em pequenos pedaços. Separou-os. O restante da peça foi para o refrigerador. Acendeu a boca do fogão e numa frigideira despejou o azeite, os alhos e cebolas.O novo cheiro empesteou a casa: comida boa chegando. Quando o alho e a cebola estavam douradinhos, jogou os pedaços da escura carne.
            A mesa, arrumada para duas pessoas, estava impecável.
            - Déstruza, amor, o jantar está servido!
            Um longo silêncio se seguiu.
            - Venha, o jantar vai esfriar!
            O barulho das rodas da cadeira anunciavam a chegada de uma adoentada mulher. Seu rosto, mostrava muita dor.
            - A anestesia já está parando de fazer efeito? – perguntou preocupado, olhando para onde deveria estar a coxa de sua esposa.
            A moça mal conseguia falar, seu rosto inchado e protuberantemente roxo bem que tentou emitir algum som. Tudo o que conseguiu foram lágrimas.
            - Deixe-me ajudar. Assim  - posicionou a cadeira de rodas em um dos cantos da mesa, de modo que ficasse de frente para ele – prontinho! Vou lhe servir agora.
            Pegou o prato e montou-o perfeitamente, quase como uma obra de arte.
            - Coma, a carne é de primeira! E essas aqui – apontou para as larvas frescas – eu acabei de colher! Prove! Acho que amanhã poderei tirara mais algumas de seu braço.
            Ela chorou. As lágrimas pareciam que iriam sufocá-la, junto com os soluços.
            Ele se alterou.
            - Você sabe que eu odeio lhe bater, mas se você continuar chorando assim vou ter que tomar uma atitude!
            - Burquê? – perguntou, ou tentou perguntar a mulher – se nada faço de correto, burquê fica comigo?
            - Ora, minha amada. O casamento é assim: Até que a morte nos separe.
            E com uma largo sorriso, colocou lenta e docemente a comida na boca de sua esposa.

2 comentários:

  1. Bonzinho ele, né?
    Se eu estudasse a intenção do autor...
    Será que é esse o modelo de marido que a escritora pensa?
    Claro que não... Que besteira minha...
    todos sabem que autor, narrador e personagem não se confundem...
    Mas, de qualquer forma, fico feliz de você não saber onde moro...
    E mais feliz ainda por não cruzar contigo nos corredores da UnP...
    Acho que vou até parar de seguir seu blog... vai que você me rastreia...

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