Amanda ama chá.
Amanda chegou em casa como sempre. Tentou ligar o
interruptor da sala, ao lado da porta. Nada aconteceu. Suspirou. Era sempre
daquele jeito: a fiação da velha casa estava precisando ser trocada, mas ela
não tinha tido tempo ainda.
Fechou a porta da sala, chamou Wilow, seu cachorrinho.
Esperou. Chamou novamente. Nada.
Decidiu que seria bom tomar um gostoso chá a luz de velas. Conhecia
a casa na ponta dos dedos e, sem esbarrar em nada, foi até a cozinha preparar
seu chá. Pegou a chaleira, encheu de água filtrada. Sentiu algo passar por
entre suas pernas.
- Wilow, seu danadinho – agachando-se para acariciá-lo –
você demorou para vir aqui, em? – esfregou a pelagem dura e úmida do cachorro –
Nossa, seu porcalhão! Andou bebendo água da fonte de novo? – Disse se referindo
à bonita fonte que ficava no salão de inverno.
A casa que Amanda herdou pertencia, na verdade, aos
familiares distantes de seus avós maternos. Alguma coisa acontecera e, sendo a
única da família ainda viva, a casa lhe veio como um presente quando as suas
dívidas a fizeram beirar a falência.
Amanda largou Wilow, lavou sua mão, pegou a chaleira e
colocou no fogão, riscando o fósforo. No momento de clarão, todo o ambiente se
iluminou com a chama e formas macabras surgiram nas paredes, Amanda simplesmente
ignorou-as, como se já as conhecesse.
Enquanto esperava, ligou o player de seu celular, colocou a
lista de cantoras francesas e acendeu a vela. Wilow se aproximou por baixo da
mesa, como se evitasse a luz, encostando sua pesada cabeçorra nas coxas de
Amanda.
- Ei, cabeção, to te dando muuuuuita ração, né? – disse em
tom de brincadeira – Ainda por cima, você fica o tempo todo se molhando na
fonte, hein? – Disse Amanda, puxando sua mão - Olha quanta bab...
Amanda franziu os olhos. A baba de Wilow já não estava
aquosa e transparente, como antes. Era viscosa, preguenta e cheirava fortemente
a acre.
Amanda se assustou. Afastou a cabeça do cachorro de sua
perna e ela saiu rolando pela cozinha. Sem conseguir pensar direito, Amanda tentou
juntar as peças, aterrorizada. Se a cabeça de Wilow estava no chão, o que
estava embaixo da mesa?
“Deve ser coisa da minha imaginação”
Levantou a toalha da mesa e viu um ser completamente
repugnante, embebido em uma substância sanguinolenta. Num movimento, Amanda
correu em direção a sala.
Esbarrou em todos os móveis da casa: tudo estava fora do
lugar. Chegou a porta, tentou desesperadamente abrir, mas a fechadura idiota
estava emperrada.
Esbarrou no interruptor que, milagrosamente, acendeu.
A casa estava completamente revirada.
Ao lado da porta da cozinha estava o ser com o resto do
corpo de Wilow na boca.
Fechou os olhos, em oração.
Entreabriu os olhos. Pela última vez, suspirou.
Na cozinha, um som melancólico ressoava. Era Piaf, com sua
voz de taquara rachada, pedindo-lhe que não a deixasse mais... Como se a morte
já não fosse tortura suficiente.
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